Embriagada pela primeira vez com um ano de vida no carnaval de Olinda vestida de havaiana, por excesso de uma cerveja famosa no idos de 1980 chamada “malte 90”, tive uma infância nômade. Nunca fiz muitos e duradouros amigos, também nunca passei mais de seis meses no mesmo colégio – fosse por questões pessoais (leia-se antipatia) ou mudança de cidade. Não sou filha de militar e nunca quis ser bailarina, modelo ou dançarina de jazz e lambada – febre entre 9 a cada 10 meninas da época. Enquanto todos jogavam vôlei e queimada, brincava de “Barbie” e “Comandos em Ação” com meu melhor amigo que, por sinal, é meu irmão. Nunca me foram impostos muitos limites e tal benefício veio da filosofia de paz e amor típica de adolescentes setentistas adotadas pelos meus pais. Vários acampamentos e viagens de carro nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do País compõem o cenário construído até minha pré-adolescência.
Como minha mãe passou num concurso público em Brasília, minha família se mudou para a capital. Mais uma vez, novos amigos e preconceito com meu sotaque recifense. Primeiro beijo. Descobertas tecnológicas e biológicas também, tudo dentro dos padrões irreverentes de uma garota de 13 anos medíocre, regados a muita Legião Urbana, Nirvana e Guns n' Roses – bandas que atualmente respeito, porém passam longe da minha trilha sonora rotineira, calma e cheia de poesia.
Comecei meu segundo grau num internato adventista em Planalmira – cidadezinha perto de Pirenópolis (GO) – lá eu conheci o reggae, Raul Seixas, a religião cega, catuaba selvagem e baseado. Como imaginado, essa temporada não foi lá muito positiva. Voltei e estudar em Brasília e passei a frequentar festas de rock com bandinhas, vinho barato e cerveja quente. Nesta mesma época conheci meu yang semelhante, irmã em grandes tombos e vitórias de tirar o chapéu. Tomei meu primeiro porre, dei “mosh” e vomitei em banheiros de festas. Por sorte, nunca quebrei nenhum membro.
Nesta fase também arrumei meu primeiro namorado sério, lutador de boxe tailandês, e meu pai foi tentar a vida nos Estados Unidos, onde está até hoje. Moramos juntos logo de cara e fomos viajar pela terra do Tio Sam e Itália. Quando a vida tinha estabilizado, chutei o pau da barraca e decidi voltar para o Brasil, solteira, e comecei minha independência tirando carteira de motorista. Não demorou e dei início a minha primeira empreitada profissional, numa loja de roupas masculinas que pagava mal e exigia muito. Também foi a época em que comecei meu primeiro curso superior, Relações Internacionais – logo no primeiro semestre percebi que não nasci para diplomacia.
Mudei de curso e de vida, agora em jornalismo, era secretária em um escritório de advocacia para pagar a faculdade e namorava um quase arquiteto, que também era quase advogado e músico. Como nunca fui feliz fazendo nada, tratei logo de arrumar um estágio na minha área. Hoje, já fiz mais estágios que todos meus anos de vida poderiam elencar e passei por quase todas as faculdades do Distrito Federal. Continuo trabalhando para pagar a faculdade, só que agora me permito alguns luxos. Afinal, 12 horas de imprensa científica e ambiental por dia, graças a muito café, tinham que me render alguns poucos prazeres materiais. Embora prefira editoria de cultura, nunca consegui dinheiro escrevendo neste ramo.
Estou na reta final de um curso que escolhi por impulso e me consome por inteiro. No alto dos meus 26 anos, quase 27, ouço música eletrônica (influência que ficou de um ex-namorado, ex-rockstar) mas gosto mesmo de rock alternativo, samba e música popular brasileira. Vi a melhor banda de todos os tempos, Radiohead, com amigos memoráveis, por quase três horas na minha frente na chácara do Jockey Club (SP). Morri de decepção na Via Funchal (SP) ao conferir o Beirut e seu pocket show – o drama foi ainda pior porque o ingresso tinha sido presente da minha comadre de todo dia, que por sinal, cozinha como ninguém. Dancei até cair ao som da Timbalada (é, cabe outro parêntese afetivo – novo e em constante evolução) e fui à Sapucaí (RJ) pela primeira vez assistir ao desfile das escolas de samba que só via pela televisão. Tenho planos com uma comparsa do coração até para o carnaval de 2014, todos envolvendo grandes multidões.
Falando em coração, como não seria eu na ausência de um lado afetivo, em quase três décadas de existência aprendi a amar e respeitar todos os tipos de pessoa. Amo demais e entendi que, dentro desse contexto, gostar não significa querer e poder ficar com alguém. Engoli sem água que há males que vem para bem, e que o tempo é o melhor remédio. Ah, desapego e abstração são essenciais para manter qualquer relacionamento. Mesmo com essas premissas de base, percebi que às vezes é necessário se impor mesmo que isso venha acompanhado de aborrecimento e perda momentânea de paz.
Passada a limpo metade da vida, aguardo pelo futuro ansiosa com o que virá além do arco-íris. Caso desconfie que não tenha entendido nada, não vejo problemas em voltar e refazer ainda que seja desde o começo. Esse é o grande lance da vida, sempre poder reescrever um novo final.